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7 de fevereiro de 2015

Vida em ambientes extremos inspira astrobiologia

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Descobertas de vida em condições extremas aqui na Terra muitas vezes geram especulações sobre o que pode esperar em outros mundos.

É exatamente o que aconteceu quando relatei, em 21 de janeiro, que haviam sido encontrados peixes que viviam em uma parte isolada do oceano da Antártida, sob740 metrosde gelo.

Pessoas logo perguntaram o que isso poderia significar em termos de encontrar vida em mundos distantes, como em Europa, uma das luas de Júpiter, que muito provavelmente abriga um oceano de água líquida sob sua crosta de gelo.

Astrobiólogos ficam agitados quando discorrem sobre a possibilidade de algum dia talvez encontrarmos tapetes de lodo microbial presos à parte inferior, aquática, do gelo de Europa.

Mas, será que eles podem estar sendo modestos demais? Poderia haver algo mais empolgante deslizando pelas águas de Europa, como xenoaracnídeos bioluminescentes com pernas de aranha imaginados em um esboço de ficção científica publicado recentemente em Nature?

“A questão sempre será energia”, observa Britney Schmidt, cientista planetária no Georgia Institute of Technology (Georgia Tech) que estuda Europa como possível habitat de vida. “Peixes necessitam de muita energia, muito mais que microrganismos”, enfatiza. (A Scientific American faz parte do Nature Publishing Group.)

Peixes requerem um ecossistema multinível, o equivalente bioenergético de um esquema financeiro piramidal.

Na base de um ecossistema aquático estão microrganismos unicelulares que usam energia solar ou fontes químicas para usar moléculas de dióxido de carbono [dissolvidas na] água para crescer.

Criaturas microscópicas chamadas protistas se alimentam desses microrganismos.

No recém-descoberto ecossistema antártico é possível que crustáceos consumam protistas e peixes, no topo da pirâmide, talvez se alimentem desses crustáceos.

Mais no alto da teia alimentar essa transferência de carbono, ou energia, é ineficiente, resume John Priscu, um ecologista microbial da Montana State University que integrou a equipe que descobriu a população de peixes na Antártida em janeiro.

“À medida que se sobe por uma teia alimentar, perdem-se cerca de 90% da energia a cada etapa”, explica ele. Isso quer dizer que para cada quilo de peixe que vive nesse ecossistema sob o gelo, talvez sejam necessários até1.000 kgde microrganismos na base da cadeia alimentar para sustentá-los.

Mesmo se for constatado que os peixes recém-descobertos se alimentam diretamente de microrganismos, isso ainda significaria pelo menos10 kgdeles por quilo de peixe.

É esse tipo de restrição — as extravagantes necessidades energéticas de animais e a oferta limitada de energia — que provavelmente determinará se uma teia alimentar com vida complexa poderia existir em Europa.

A maioria dos ecossistemas na Terra é energizada da base para cima por luz solar, o que impulsiona a fixação de carbono por meio da fotossíntese. Mas qualquer forma de vida no oceano de Europa, sob10 kmou20 kmde gelo, teria de utilizar alguma outra fonte de energia.

Estudos de lagos selados sob centenas de metros de gelo na Antártida forneceram uma imagem convincente de como isso poderia funcionar.

A mesma equipe que descobriu os peixes oceânicos na Antártida no começo deste ano também perfurou um desses lagos subglaciais em janeiro de 2013: o lago Whillans, situado sob800 metrosde gelo e localizado a cerca de100 kmde distância de onde os peixes foram descobertos. As duas expedições foram financiadas pela National Science Foundation (NSF).

À época, os cientistas descobriram que o lago Whillans estava fervilhando de vida, com cerca de 130 mil microrganismos unicelulares por mililitro de água.

Muito mais interessante, porém, foi verificar o quanto esse ambiente subglacial supostamente “extremo” não era hostil. A uma temperatura de -0,5ºC ele era ligeiramente mais quente que as águas oceânicas que cercam a Antártida.

E, embora tivesse permanecido lacrado sob gelo durante milhares de anos, ele ainda continha níveis de oxigênio que possibilitariam a sobrevivência de alguns animais marinhos, como frágeis e quebradiças estrelas-do-mar e algumas espécies de vermes.

Ironicamente, o mesmo manto de gelo que isola o lago Whillans do mundo exterior também o abastece com um suprimento constante de oxigênio.

Calor geotérmico ambiente que emana do leito marinho derrete a parte de baixo da camada de gelo a uma taxa de vários milímetros de espessura por ano. Isso libera primitivas bolhas de ar que foram ficando presas na capa de gelo à medida que ela se formava em decorrência da queda de neve milhares de anos antes.

Estudos genéticos sugerem que os microrganismos no lago usam esse oxigênio para metabolizar amônio e minerais ferrosos que ascendem dos sedimentos abaixo, obtendo assim energia para fixar carbono, substituindo assim efetivamente a fotossíntese.

“É como uma bateria”, exemplifica Priscu, cujo laboratório colheu e analisou algumas das amostras do lago em 2013. “O gelo tem oxidantes e os sedimentos têm redutores, e a vida evolui para preencher a lacuna — a lacuna da energia gratuita”.

Kevin Hand, um astrobiólogo do Laboratório de Jatopropulsão da Nasa (JPL, na sigla em inglês), acredita que esse mesmo mecanismo existe em Europa.

Com base em leituras espectrais de telescópios do Observatório Keck, no Havaí, Hand encontrou altos níveis de substâncias químicas oxidantes, como sulfato, oxigênio, dióxido de enxofre e peróxido de hidrogênio na superfície de Europa. Essas substâncias são produzidas à medida que radiação ionizante de Júpiter “varre”, ou fricciona, a superfície do satélite, promovendo a dissociação de moléculas de água e compostos de enxofre nas camadas superiores de seu manto de gelo.

Organismos vivos poderiam usar essas substâncias oxidantes para queimar combustíveis como ferro ou metano que ascendem do fundo rochoso do oceano de Europa.

O que possibilita isso é que a lua parece ser geologicamente ativa, permitindo que esses suprimentos de combustível e oxidantes sejam transportados, misturados e constantemente renovados.

Britney Schmidt encontrou evidências de que correntes oceânicas quentes e forças convectivas abaixo da capa congelada de Europa podem fazer com que grandes blocos de gelo caiam e derretam, levando vastos bolsões de água, ocasionalmente contendo tanto líquido quanto todos os Grandes Lagos juntos, até uma distância de vários quilômetros da superfície gelada da lua.

Cientistas que analisam fendas e sulcos na superfície de Europa acreditam que seu revestimento gelado também é reciclado lentamente através de um processo similar ao de subducção continental na Terra, com a diferença de que, na lua jupteriana uma placa de gelo desliza e se ergue sob a borda de outra.

A placa afunda e acaba derretendo novamente no oceano abaixo, levando com ela as substâncias químicas oxidantes que se formaram na superfície.

O segredo para prever que tipo de vida o oceano de Europa poderia sustentar será descobrir com que rapidez esse processo de subducção e derretimento ocorre e quantos milhares ou milhões de toneladas de substâncias químicas oxidantes são formados na superfície e injetados todos os anos no oceano.

O grau de incerteza é enorme: as estimativas do suprimento energético de Europa variam por ordens de magnitude.

O refinamento desses cálculos será muito útil para determinar que tipo de vida poderia existir ali: lodo microbial ou xenoaracnídeos com lobos emplumados.

Schmidt faz parte de uma equipe de cientistas que está nos estágios iniciais do desenvolvimento de uma missão da Nasa, chamada Europa Clipper, que investigaria essas questões ao colocar uma sonda de reconhecimento na órbita ao redor de Júpiter.

Periodicamente, a nave faria voos rasantes, a apenas entre25 kme100 kmacima da superfície de Europa.

Nessas ocasiões, a sonda usaria radar de penetração de gelo para medir a espessura da capa de gelo da lua, mapearia suas grandes fendas (rifts) e falhas internas (dados que forneceriam pistas sobre a velocidade de sua atividade geológica) e localizaria bolsões de água perto da superfície.

Um magnetômetro a bordo mediria a profundidade e salinidade do oceano, enquanto um espectrômetro faria um levantamento das substâncias químicas nas camadas mais externas (superiores) do gelo da lua.

Presumindo que o projeto seja financiado, a nave Clipper levaria alguns anos para ser construída e lançada.

Enquanto isso, outras perguntas interessantes pairam sobre as recentes descobertas na Antártida.

Uma delas é por que foram encontrados peixes ao longo da linha praiana coberta de gelo da Antártida, onde suas geleiras começam a flutuar no oceano, mas só microrganismos foram achados a100 kmde distância, no lago Whillans?

Os dois ambientes contêm oxigênio. Os dois têm temperaturas mais ou menos iguais. E os dois ecossistemas provavelmente acabarão revelando que são alimentados pela mesma fonte de energia: microrganismos que oxidam amônia, ferro, enxofre e possivelmente metano para fixar carbono.

O lago Whillans e seus irmãos naquela região da Antártida representam ambientes implacáveis e rigorosos para várias razões. Eles são rasos e transitórios, mudando suas localizações de uma década para outra, “mais como poças de lama”, compara Schmidt.

Essa instabilidade poderia representar uma grande dificuldade para animais sobreviverem durante dezenas de milhares de anos.

Se algum acontecimento fortuito os exterminar; por exemplo, se os glaciares congelarem imóveis sobre seus leitos, então a probabilidade de novos animais conseguirem entrar nos lagos para recolonizar as águas posteriormente é extremamente baixa.

Acompanhei a expedição que perfurou e coletou amostras do lago Whillans em 2013, e durante todo aquele tempo perguntei frequentemente aos cientistas o que eles esperavam encontrar ali.

Talvez não seja nenhuma surpresa que todos só antecipavam encontrar microrganismos.

Mas agora, a descoberta de animais em um nicho isolado, coberto de gelo, do oceano antártico parece ter sacudido as pessoas, precipitando seus pensamentos em um novo espaço.

Priscu é rápido em salientar que os microrganismos do lago Whillans de fato estavam fixando carbono mais ou menos tão rapidamente quanto já foi observado em algumas partes do oceano cobertas de gelo, que conhecidamente abrigam peixes.

“Eu ficaria surpreso se houvesse peixes [no lago], mas há energia suficiente para eles lá”, argumenta. “Se obtivermos um novo financiamento da National Science Foundation, seria interessante colocar uma armadilha de peixe [na água] e deixá-la ficar”.

Scientif American Brazil

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